segunda-feira, 30 de junho de 2008

Mudar de roupa

Gosto de sentir a clarividência de quando algo chega ao fim. Sentir que é preciso mudar a página, libertar-me de amarras que me prendem nem sei bem ao quê. Talvez por preguiça, ou num acto de cobardia, ou por precisar de recuperar energias, optei por adiar para depois das férias algumas tarefas que há muito reclamavam a minha atenção.

Uma delas era a limpeza dos roupeiros, sobretudo do meu. Tinha guardado imensa roupa de quando era mais gordinha, que nunca deitei fora por pensar que talvez um dia voltasse a vesti-la mas já grávida. Mas mais do que ocupar espaço no roupeiro aquela roupa estava a roubar espaço à minha felicidade, à minha capacidade de ultrapassar a falta de algo que não tenho e que me morde por vezes de forma atroz. Porque guardar as roupas de um sonho que tarda em chegar? Logo eu que sempre fui prática e opto por resolver os problemas no tempo presente, em vez de equacionar mil e uma soluções futuras.

À medida que ia separando a roupa ia sentindo alívio. Não desisto do sonho, muito pelo contrário, mas vou gostar infinitamente mais de quando chegar a altura e escolher roupagens novas, lindas, de acordo com a minha condição.
E se ela não chegar, pelo menos ganhei espaço no roupeiro da minha vida para outras bagagens e momentos. Como diz Pessoa ali ao lado nada perdi, tudo serei.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Férias parte III - Picos da Europa

Se há um ano atrás a cor que eu trazia comigo das férias era o azul-turquesa, a cor destas é sem dúvida o verde. O verde de uma paisagem lindíssima, dos prados de Verão cobertos de vacas a pastar. Das cabras montesas no meio dos trilhos. Das inúmeras cascatas que brotam pelas fissuras das rochas. Das gargantas escavadas pela passagem perpétua das águas. Dos trilhos íngremes pela montanha acima a lembrar os tempos em que apenas passavam pastores e gado e do frio na barriga quando a largura do trilho era de apenas de um palmo e a vertente desafiava a verticalidade. Do cansaço extremo, a raiar os limites da resistência física, logo atenuado pela excelência da vista.

Foram muitos quilómetros palmilhados de alma cheia, leve, feliz, completa, onde me deixei surpreender pelos inúmeros detalhes de uma paisagem que me deixou sem palavras e me preencheu a sede de completude.

Há alturas na minha vida em que gostava de poder transpor para um pequeno livro todos os pormenores que me fascinaram, todos os detalhes que me fizeram parar a marcha e todos os sentimentos que me invadiram ao observar uma paisagem que me tocou. Para que sempre que a memória me atraiçoasse eu pudesse recorrer às folhas desse mesmo livro, o livro das minhas viagens de sensações e eu pudesse recuperar a emoção de voltar a ver pela primeira vez uma paisagem que eu vou querer guardar comigo eternamente.

Fotos de Maganita e Gaijo, Picos da Europa, Junho de 2008

terça-feira, 17 de junho de 2008

Férias parte II - Por terras do sul

O sul do país é a minha segunda casa. Lá tenho amigos e família, o calor dos afectos e as memórias sempre presentes. É a minha segunda casa, o meu porto de abrigo. Mesmo agora, a fim de tantos anos e de tanto tempo aqui passados, consigo ainda descobrir recantos e paisagens que me preenchem, que me surpreendem e me fazem sentir que vale sempre a pena voltar.

Desta vez fizemos uma pequena paragem em terras alentejanas para passar uns dias com amigos. E apesar dos anos, os sentimentos de amizade permanecem inalterados, as velhas piadas ditas até à exaustão na adolescência continuam a ter o mesmo eco e agora com tantos anos em cima sabem ainda melhor.

Depois foi o prosseguir viagem ainda mais para sul, até à parte serrana mesmo antes do barrocal algarvio. Lá onde o tempo perdeu as horas e eu me encontro tantas vezes. Foi tempo das caminhadas na praia, dos banhos de sol e de mar, dos almoços no mesmo restaurante de sempre ao fundo da rua, das sestas ao inicio da tarde e dos petiscos ao entardecer, das idas ao cinema, dos passeios a pé até ao café, do carinho familiar celebrado sem cerimónia, das conversas sem fim e até de re-encontros inesperados. De todas aquelas pequenas coisas que aqui não sabem a rotina embora se repitam ao longo dos dias que por aqui passamos, mas a férias no sentido mais relaxado do termo.

Desta vez não vos trago relatos de caminhadas. O tempo esteve muito quente para o fazermos. Não houve caminhadas mas deixo aqui a (re) descoberta de uma praia que para mim é uma das mais belas de Portugal. Com uma língua de areia de vários quilómetros onde a natureza se encontra em estado quase puro, acessível apenas de barco, com águas transparentes e quentes e que conserva ainda um certo carácter familiar presente nas artes de marisqueio que ainda se observam. Um mar de areia pejado de conchas de todos os tamanhos e cores que me fizeram reviver as memórias de menina em que chegava a casa com o balde da praia apinhado delas. Hoje o balde desapareceu mas as recordações permanecem. Olho para a cesta da fruta, agora cheia das conchas apanhadas há poucos dias e não posso deixar de sorrir…

Há coisas que nunca mudam…


Fotos do Gaijo, Ilha da Armona, Junho de 2008

Volto em breve...

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Férias parte I - Fuerteventura

Não é fácil gostar de Fuerteventura. O primeiro impacto é de facto “fuerte”, termo aliás que faz parte integrante do vocabulário desta ilha. Aqui só sobreviveram os mais fortes, os que não se deixaram abater pelo inóspito, que venceram a aridez de uma terra que pouco dá mas com muito para oferecer. À primeira vista tudo parece desolador. A paisagem é desértica, a cor predominante é o castanho, na sua multiplicidade de tons: do castanho ocre das vertentes mordidas pela erosão ao castanho quase negro, a relembrar sempre a sua origem intempestiva, vulcânica, agreste. A vegetação é escassa, praticamente inexistente, e a que brota de forma espontânea empresta os seus tons glaucos à paisagem monocromática de castanho. E no entanto, no meio deste ambiente hostil, eis que ao segundo olhar se descobre vida escondida que a amiúde ocupa este espaço: coelhos, esquilos, lagartos, cabras, burros. Os esquilos já perceberam o potencial que o turista representa na sua alimentação. São por isso presença frequente nos pontos onde é fácil promover este contacto: junto aos barrancos, em pontos de passagem entre praias ou em miradouros. As cabras pastam livremente pelos campos demarcados apenas com redes junto às estradas. Têm uma ilha por sua conta e fazem jus à sua identidade “fuerte”. Aqui e ali surgem por vezes pequenos oásis de vegetação, no seu sentido mais literal. A agrura do clima é de tal forma que apenas nos barrancos, esses grandes sulcos que as águas das chuvas entalham pelas vertentes fora, ocorrem de forma espontânea. Esta foi, para mim, a impressão mais marcante desta ilha: é impossível ficar indiferente a este ambiente tão inóspito.

Dois outros aspectos merecem alvo de destaque: as praias e o vento. O vento é presença constante e omnipresente. Sempre o foi. Em toda a ilha existem diversos moinhos que testemunham as primeiras tentativas de povoamento, sobretudo no interior da ilha onde a pouca população existente fixava residência devido às ameaças de piratas e corsários que historicamente aqui aportavam com alguma frequência.

E é claro que não poderia deixar de referir as belíssimas praias: desde os extensos areais da Jandia no sul ao semblante dunar de Corralejo no norte, onde a areia insiste em cruzar a estrada a seu belo prazer, em danças deslizantes ao sabor do vento. Sem esquecer a beleza das enseadas negras em claro contraste com o azul-turquesa que se vislumbra no mar. Guardo a saborosa recordação dos longos passeios durante a maré vazia em que passámos de praia em praia, sempre divididos entre o ficar e ceder à ânsia de conhecer a praia seguinte.

Fuerteventura é um daqueles sítios em que não se consegue fica alheio. Goste-se ou não. É por isso um local de impressões “fuertes”, que marcam e não se esquecem, diferente de tudo aquilo já conhecia. E que não irei esquecer…



Fotos de Maganita e Gaijo, Fuerteventura, Junho de 2008